domingo, 15 de novembro de 2009

Série Jamanta: Maverick


O primeiro emprego ninguém esquece. Lembro-me como se fosse hoje quando cheguei na Auto Vidros Londrina para trabalhar como vendedor de vidros de carro. Com apenas 15 aninhos, nada sabia eu da vida e de suas artimanhas. O empego era moleza, eu atendia o público no balcão, estocava as peças e os vidros nas prateleiras, ajudava o pessoal da oficina. O pessoal era muito engraçado, brincávamos o dia inteiro, e às vezes brigávamos também. Era muito divertido, como se fôssemos uma família, e até hoje sonho que estou trabalhando lá. O salário é um caso à parte, mas vamos falar de coisas boas. Lembro que a recepção do pessoal quando eu cheguei foi muito legal. Meu pai era amigo do dono, o Nílson, e foi ele quem me arrumou o trampo. No primeiro dia fiquei muito quieto, normal quando não se conhece ninguém. Lá só trabalhava homem, apenas uma menina que ficava no caixa, a Marinusa, uma negrinha simpática, sobrinha de um sargento do exército, o Custódio, que servia no 2ºB.C. de São Vicente, que ficava bem em frente à loja. Sempre que entrava alguém novo eles gostavam de zoar, uma espécie de trote, como mandar comprar tesoura de cortar vidro. No meu segundo dia entrou um Maverick lindo pra trocar o vidro da porta, o carro era idêntico ao da foto. Como eu sempre gostei de carros antigos, fiquei olhando o Maverick, admirando seu motor e seus detalhes. O Parada, que era o gerente, me chamou lá em cima. Pensei que ia me dar uma bronca por ficar olhando o carro, mas ele apenas me deu um dinheiro e falou bem sério o seguinte: "Vai lá no Valgama (uma loja há uns cinco quarteirões dali) e compra uma borracha do vidro do quebra-vento do Maverick. Lado direito, não esquece". Ao lado dele, o Everaldo, o Edson, o Baiano, a Marinusa, a filha do Nílson, o Xavier, e mais uns dois ou três me olhando. Até a faxineira me olhava, querendo rir. Estranhei, mas fui na loja como ele havia me pedido. Cheguei no Valgama, fui atendido pelo vendedor e fui logo pedindo, com o peito estufado, todo orgulhoso do meu primeiro emprego: "Me vê uma borracha do vidro do quebra-vento do Maverick. Lado direito". O vendedor perguntou: "De onde você é? Da Londrina?" "Sim", disse eu. Todos riram. Pra quem não sabe, Maverick não tem quebra-vento, e o pessoal da loja já estava acostumado a fazer isso com novatos. Fiquei com a cara no chão, todo vermelho de vergonha, virei as costas sem dizer nada e voltei pra loja, puto da vida, xingando todo mundo, inclusive meu pai que me arrumou aquele emprego. Quando entrei na loja, joguei o dinheiro no balcão e fui pro banheiro, todos rindo às minhas custas. Fiquei no banheiro pensando um pouco, e quando eu saí o Parada veio e me deu um abraço, com um sorriso: "Bem vindo, garoto!". Trabalhei lá por quase 6 anos, e fiz muitas amizades que duram até hoje.
Brevíssimo histórico
O Maverick foi produzido pela Ford no Brasil entre 1973 e 1979, e apesar de não obter grande sucesso de vendas é um dos carros mais cultuados hoje em dia por colecionadores.

4 comentários:

  1. Muito boa essa história!!! Esses trotes dão raiva (à vítima, por supuesto, hehehe), mas depois que a gente se entrosa acaba vendo que não deixa de ser uma boa maneira de começar amizades, principalmente no trabalho.

    Em tempo, meu pai às vezes comprava na Londrina, e justamente na época do chevette branco. Numa dessas você até atendeu ele lá...

    ... o resto é silêncio!

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  2. Por alguns meses, quando garoto, fui operador de máquinas fotocopiadoras, no centro de São Vicente. No primeiro dia, um rapaz da loja trouxe um bolo de papel carbono e pediu pra eu tirar uma cópia de cada. E alertou: "cuidado pra não ficar muito clarinha, senão não presta"... Tb fiquei puto, mas não fui pro "banheiro pensar um pouco"... hahaha... pq será q os garotos de 15 anos não têm coragem de dizer que se trancaram no banheiro pra chorar?
    Abração. Ótima a história.

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  3. Victor, se ele passou por lá entre 1988 e 1994 com certeza eu o atendi. Maykon, eu não chorei no banheiro, homem não chora. Só pensei. Abraço.

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  4. Eu trabalhei numa agência marítima em Santos, pediram para lavar o carbono, não caí nessa, porém desci até o térreo para esperar o carteiro e protocolar a correspondência recebida.
    Quando o carteiro chegou, imaginei que fosse trote e não pedi para protocolar nada, mas ao voltar para o escritório a zoação foi geral.
    Que raiva deste dia, mas muitas amizades surgiram a partir dali...
    Ótima história, abraço!

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